sábado, 23 de fevereiro de 2008

Crise dos 30 anos

...Chovia muito naquela noite. Parecia que o céu estava desabando sobre a cidade. E ele bebia incessantemente... e chorava intensamente. Tanto que não sabia mais diferenciar a chuva no vidro da janela das lágrimas em seus olhos.


...Na mão direita havia certo veneno para matar ratos. Ele olhava... examinava bem a embalagem e se perguntava quanto daquilo seria necessário para pôr fim a sua existência.


...De tão ébrio, seus olhos mostram duas embalagens. Ele nem
mesmo conseguia se colocar de pé, quanto mais administrar a dosagem correta para o suicídio indolor – e a dor era uma grande preocupação dele, sempre foi. Ele não queria mais dor! Sua cabeça girava... e pesava...
Acabou dormindo em razão da vasta quantidade de álcool em seu sangue – destilados deixavam-lhe com muito sono.







(...)


...A verdade é que ele era um jovem bem sucedido, numa instituição de ensino para uma gente muito bem sucedida, numa empresa arrojada e bem sucedida, numa cidade de gente legal e... bem sucedida! Num lugar razoavelmente novo, ao qual ele, menino introvertido da serra, ainda não havia se adaptado.


...Seus dias iam passando e ele só na rotina ‘casa > trabalho > pós > casa’... nada de novo ocorria e a solidão continuava corroendo seu peito. Anos se passavam... e o tempo passava rapidamente, porém ele ainda não havia conseguido fazer daquele o seu novo habitat. Parecia um peixe fora d’água naquela metrópole cheia de gente, mas sem ninguém pra desabafar ou mesmo divagar sobre qualquer trivialidade. Não tinha alguém pra conversar...




...E pensava: ‘Aquilo tinha sentido?! Tinha!’. Ele saiu de sua cidade em busca de um sonho e com a promessa de que tudo ia melhorar - ele tinha de mandar dinheiro para a mãe em casa e provar que tudo poderia ser diferente!


(...)


...Acordou. Era uma manhã tão clara e tão calma a daquele dia. Ele acordou com certa preguiça de levantar... olhou para o criado-mudo e viu o relógio: Era hora!


...A noite turbulenta não aplacou sua vontade ébria. Pelo contrário, só aumentou seu desgosto. Ele sonhara com uma esposa carinhosa, três crianças sorridentes e um cachorro babão. E todos esses habitando uma casa que tinha quintal e varanda, no meio de um churrasco lotado de amigos do casal, das famílias, dos amigos das crianças... sonhou com isso e acordou com a revolta estampada no rosto. Percebeu que nada daquilo se tornaria realidade tão cedo e teve mais raiva da vida que escolheu para si.


...Nem a chuva e nem o choro do dia anterior haviam lavado sua alma. A manhã estava clara e o céu absolutamente límpido... extremo oposto do que acontecia em sua alma.


...Levantou e foi se lavar. Ao chegar defronte ao espelho, mirou-se bem nele. Não havia nada de diferente, mas ele não sentia-se bem. Fitou-se por um tempo, tentando descobrir alguma coisa sobre si mesmo... e NADA! Estava em crise.


...Passando pela sala do flat modernamente mobiliado, olhava como se nada daquilo o pertencesse, como se tivesse nojo dos objetos ali prostrados. Na mesa, vários cartões que chegaram pelo correio. Do dentista que ele não ia há mais de um ano, do clínico geral, da loja de sapatos, da charutaria, do clube automobilístico que tentara freqüentar, do banco onde era cliente... tanta coisa... tanto lugar, tanta gente que ele não via há muito! Entretanto, não havia mensagem alguma daqueles com quem ele lidava diariamente, dos ‘amigos de longa data’, da pseudo-namorada que ele só via uma vez ao mês... desses, nem sombra! E ele ponderava: ‘onde foram todos?!’


...O fato é que não havia esse ‘todos’ de quem ele falava. De amigos, ele só tivera dois, na época da escola. Só que a vida atribulada que levava não permitia que ele dispensasse alguns minutos de seu precioso tempo para dar certa atenção que merecem as amizades.


...A namorada era algo conseguido a muito custo, ainda na cidade natal. Ele era tímido e mal conseguiu balbuciar seu interesse pela moça. Sorte que ela era bastante compreensiva... Compreensiva mas não tola! Ficara lecionando na serra e por isso, ele não a via com tanta freqüência. Foram anos de espera e ela não mais sentia-se valorizada. Consequentemente, a moça desistiu de tal relacionamento. Só ele que ainda não percebeu sua ausência. Na verdade, ele está percebendo... aos poucos, ele está reparando que não lhe sobrou mais nada.


...Essa é a razão de seu desespero... ele está sem chão. Ele não tinha mais amigos, não tinha mais hobbies, nem mulheres. Ele tinha uma pós-graduação para terminar e uma empresa para chefiar! Era dos funcionários mais novos e com um dos mais altos cargos. Era temido e idolatrado. Isso fazia com que ninguém chegasse nele e ele, como acanhado que era, tão pouco chegava em alguém. O tempo passava e ele continuava só.


(...)


...Um turbilhão de coisas passa pela sua mente nesse momento... ele sabia que era culpado da própria situação em que se encontrava. Ele percebeu que não fazia bem a si mesmo... ele percebeu que não poderia mais voltar atrás... não, isso não podia ser feito. Que lhe restava fazer então?!






...Olhou o vidro em cima da mesa... observava atentamente o rótulo. Uma caveira negra e uns escritos de ‘perigo’, ‘cuidado ao manusear’, etc saltavam aos olhos... era algo que prometia eliminar ratos. Que coincidência, porque ele mesmo achava um rato quem foge das suas responsabilidades. Mas aquela fuga era inevitável... olhava o vidro... ponderava novamente a quantidade necessária para o fim daquilo tudo.

...Hoje era um dia atípico. Não era a dor-de-cabeça proveniente de uma baita ressaca que tornava tudo tão diferente dos outros dias - aliás, para ele era muito estranho pensar em morrer assim num dia tão bonito. Ele, entretanto, estava agora sóbrio e a mesma idéia da noite ébria lhe perpassava a mente. E ele se surpreendia por ter agora uma coragem que nunca antes pensara possível para si mesmo. O tempo passava, ele envelhecia e permanecia sozinho.

...Pegou um copo d’água. Nem precisava, já que o veneno dava para ser engolido sem isso... mas era só para dar uma ajuda, caso ele desistisse 'tarde demais'. Olhava aquele vidrinho feio em cima da mesa... várias coisas se passavam em sua cabeça. Várias memórias...


...Sua garganta começava a fechar-se. Parecia que havia algo preso nela. Era o choro que ele não queria chorar. Eram as lágrimas forçando uma descida caudalosa pelas faces ainda amarrotadas da noite mal dormida. Mas ele seria forte nesse momento. Ele não deixaria que nenhum soluço o desviasse de seu objetivo principal...


...Pegou algumas bolinhas daquele treco e já ia colocando na boca, quando subitamente sua linha de raciocínio é rompida pelo som do telefone:
...“-- Alô?!
...-- Filho?!
...-- Sim?!
...-- Meu querido! Que você tenha muita paz, muita saúde, amor e sucesso nesse dia tão especial! Ah, 30 anos... que beleza, meu filho!
...-- Obrigada, mas...
...(Interrompe a mãe) – Seu pai, que Deus o tenha, deve estar muito orgulhoso de você! Eu te amo muito, viu?!”




...Ele solta um sorriso abafado do outro lado da linha... lágrimas de felicidade jorram em seu rosto.




...“-- Pena que não posso ficar muito tempo no telefone, porque é interurbano! Nos falamos melhor quando eu puder ir à cidade te visitar, sim?!
...-- Tudo bem... obrigado por ter lembrado, mãe. Foi bom a sra. ter ligado!
...-- Um beijo meu garoto, te cuida viu!
...-- Beijo, mãe.” ..




...Hoje era seu aniversário, mas não houve comemoração. Tão pouco houve um suicídio. Na verdade, ele se sentia velho e solitário. Para a velhice não há mesmo remédio, mas quanto à solidão...
...Bom, tudo o que ele precisava era de alguém pra falar, conversar... tudo o que ele queria era alguém que se lembrasse, alguém que se importasse... e ela se importava. Já era o bastante. Agora ele entendia porque o suposto dia da sua morte estava tão bonito...





(...)



sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Chove torrencialmente dentro de mim

Chove Torrencialmente dentro de mim... Sinto que já pressentia a enxurrada que estava por vir como uma velha senhora que sente a chuva por vir com a mudança dos ventos.
Chuva transformadora, libertadora de mim... Antes presa num recipiente hermeticamente fechado, agora escorrendo entre teus lábios, lavando carinhosamente tuas feições, umidificando a alma.
Não há relampagos nem trovões que me façam desviar dos teus olhos. É simplesmente aquela chuva que você senta em frente da janela e observa... Lava vidraça, lava meus olhos como se agora pudesse ver dentro de ti. Os pingos no chão me fazem lembrar do estalido dos beijos que jamais esqueci. Não vejo temor no céu cinzento e obscuro.
A chuva me envolve a cintura assim como fazes teus braços. Também não há frio, a água que evapora parece tua respiração na minha nuca. O cheiro de terra molhada que faz brotar as mais infimas emoções. Os ventos te trouxeram até aqui...
Chove torrencilamente dentro de mim como se quisesse preencher o vazio de minh'alma... como se quisesse varrer pra longe toda a instabilidade... como se essa chuva, agora, fizesse parte de mim...


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Poesia?!? Não, apenas meras palavras...


Sinto cheiro de poesia no ar...

as palavras se criam, recriam, somem, voltam...

o aroma delas me persegue,

entra pelas minhas narinas,

desce pelas minhas entranhas,

adentra meu estômago....
.

.
Sinto fome!



.
.
... fome das palavras vãs a que me apeguei...

das laudas larápias que contam, recontam, mentem e revoltam!

Das cenas que a elas se seguem

... das juras fingidas

... dos espasmos sofridos,

do sussurro ao pé do ouvido...
.

.
Fome daquelas palavras roubadas

e profanadas
...
- E poetizadas?! -
.

.
Não!
.

.
Naquela boca eram

apenas meras palavras...
.
...

...
.
..

Nada pra fazer, vou brincar de escrever! rs
.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Carnaval 2008



Foto de Marcos Aquino

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Um HAIKAI (ou seria um HAIKÚ?)

O outono escuta
Barulho de folhas secas
Se pisar meu peito