terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Morte na Rua Paraíso

'1, 2, 3, 4'...
... que barulho estranho! ... Parece?!? ...
Quantos gritos!?! ...
... Chego na janela e: '5, 6'!!!
.
No chão, no chão, no chão!!
... Foram mais dois disparos.
(...)

pintura de 1894 intitulada 'O Cadáver', exposta no museu Alemão da Higiene em Dresden
(Na reportagem não encontrei o nome do autor)



.

Mais dois disparos e mais nenhum grito... segundos depois, o silêncio da rua era rompido apenas pelo desespero da viúva:

" --Mataram meu marido, mataram meu marido!!"
.

Eu continuava deitada no chão, com medo de mais alguma coisa e não sabia bem do que. Por trás das paredes de concreto da minha sala, não enxergava nada, mas via tudo....
.
Via uma viúva atônita, sem nem conseguir acreditar no que estava acontecendo... ela não chorava. Acho que nem sabia chorar. Ela estava em pânico e só sabia gritar:
" --Mataram meu marido!!!" ....
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Via o bebê recém-nascido no colo dela - ele chorava de quando em vez, mas não devia saber o que estava acontecendo... acho que chorava devido as sacolejadas no colo da mãe... via os outros dois filhos dela, duas pequenas crianças lacrimejando e ganindo diante da cena funesta. Duas crianças com as cândidas almas sendo profanadas por imagens tão bestiais como aquela...
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Via os vizinhos consolando a viúva, ou tentado consola-la... acho que no fundo, eles tentavam consolar-se a si próprios. Moram numa cidade tomada por um poder paralelo que adentra as casas das pessoas e muda para sempre a sorte de uma família, ou melhor, de várias famílias... Moram num lugar onde se mata maridos na frente de suas esposas. Ninguém estava a salvo daquela realidade. A morte dele poderia ser a de qualquer uma daquelas pessoas...
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Via meu pai ligando para os bombeiros, numa tentativa de salvar o alvo de tão enfurecidas balas... em vão, pois o que estava deitado na rua já não passava de um corpo sem vida. A vítima já estava até esfriando...
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Tomei coragem e fui olhar a rua. Já tinha me cansado das imagens produzidas pela minha mente baseadas nos ruídos lá de fora... E vi o corpo que jazia no meio da encruzilhada, bem embaixo da minha janela...

...

.
Via sangue. E dessa vez via de verdade, com os olhos e não com a imaginação. O defunto estava em meio a uma poça vermelha, deitado em cima do próprio sangue...
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A cena era bem pior do que eu previa! Mesmo sendo dotada de uma imaginação bem fértil, eu jamais poderia recriar em mente as expressões de torpor daquelas pessoas. Eram umas caras de impotência, de desespero, de indgnação e sobretudo, de medo!
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Levaram a viúva aos prantos para longe daquele cenário absurdo- sim, ela conseguiu acreditar no que acontecia e portanto, chorar. Ninguém sabe muito bem lidar com a morte, ainda mais com uma morte tão violenta e tão sem propósito, sem aviso... ninguém queria lidar com aquela morte.
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Aos poucos, a vizinhança foi recolhendo-se às suas casas e quando a perícia chegou, o local já havia sido abandonado por todos... Só o defunto 'descansava em paz'...
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EM PAZ?!??
.
.Bem, ele descansava sim, mas numa paz que eu não quero para mim.

...

..
Bom... esse texto foi escrito na madrugada do dia 28 para o dia 29 de dezembro de 2007, quando mataram alguém aqui perto, dias depois das festividades natalinas...


... eu não saberia expressar-me de outra forma... espero que esse tipo de coisa deixe de acontecer em 2008, mas sei bem que isso não será um desejo muito fácil de ver realizado...


Tenho medo... aqui era tão tranquilo há uns anos atras... e agora isso! Onde vamos parar?!?



7 comentários:

Vivian Lage de Oliveira disse...

é né... Infelizmente faz parte do nosso dia a dia... e não digo isso só pq vivo no Rio mas pq a onda está se espalhando por tds os Estados...

Estou acostumada a ver corpos no anatômico, mas sem duvida seria uma experiência surreal...
ainda bem q nunca passei por isso!!


Bjooo

Anônimo disse...

gostei, texto mesmo que abordando um assunto que assusta a todos(ou quase)...é de uma ironia muito gostosinha

Anônimo disse...

Perfeito Rackel!!!!
Vc fez um texo extraordinário para retratar a realidade do nosso Rio!!!
Perfeito!!!

Rackel disse...

Obrigada pelos elogios, galera!

bjs à todos!

Unknown disse...

gostei mto não..

mas continua, pois "a prática conduz à perfeição".. desculpa o clichê =P

bjão!

Fábio Félix disse...

Onde vamos parar?...rs...Uma pergunta ingênua. Não vamos parar. A questão é: por onde e pelo que ainda vamos passar?

Rackel disse...

Nossa! Sabias palavras, fabio! Ainda não tinha pensado nisso: 'por onde e pelo q ainda vamos passar?'

obrigado pela visita

=*