quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Cadeia Alimentar


Anna Júlia era uma menina mediana no colégio. Sempre esforçada, participativa, mas nunca um gênio. Bom, mas o que importa não é seu desempenho escolar e sim uma lembrança que ela teve durante a aula de Ciências. A professora era magra, cabelos lisos e os dentes escurecidos pelo tabaco, e enquanto dissertava sobre cadeias e teias alimentares, Aninha se lembrou de uma tarde de verão 2 anos atrás.

Era Janeiro, pico do verão carioca. Os termômetros marcando 39º graus no relógio digital da praça Saens Peña, zona norte. Mesmo ao final do dia, o local estava cheio de pessoas saindo do metrô no pós praia, velhinhos lendo seu jornal e jogando dominó e pombos bem gordos que corriam atrás dos pipoqueiros.

Aninha tinha ido passar o domingo com a avó paterna e depois de uma bela e farta macarronada, com direito a sorvete de chocolate de sobremesa, as duas foram até a cozinha partir pão velho em pequenos pedaços para oferecer aos peixes que viviam em um grande chafariz situado bem no meio da praça.

Anna Júlia chegou perto, observou os peixes e começou a jogar lentamente o pãozinho cortado com tanto esmero. O peixe, ao que tudo indicava, parecia feliz e saltitava nas águas esverdeadas como se agradecesse o pão daquele dia.

Eis que surge uma garça... Agora vamos parar para refletir um pouco leitor... Você já teve a oportunidade de ver este animal de perto? Esquisitíssimo, de uma finura sem igual. Creio que a linha de pipa com cerol deva ser da mesma finura que a pata deste ser. Garganta, bico, patas, tudo fino. Além da bizarrice do ser, vamos levar em consideração ao animal e seu contexto com os centros urbanos... Como aquela ave surgiu no meio da Tijuca? Bom, voltando. A garça iniciou aproximação com a menina, ficando ao seu lado e observando movimentação nas águas. Começou a se movimentar de forma esquisita, apontando o bico pra água e PIMBA, agarrou o peixe ainda vivo no bico e devido a sua estreita garganta era possível ver o animalzinho se debatendo rumo ao estômago. O susto foi tão grande que Júlia agarrou-se nas pernas da avó e chorou copiosamente enquanto a garça liberava suas excretas bem no meio do concreto quente.

Quando Aninha voltou a si, a professora já havia passado o trabalho de casa no quadro:

Faça uma cadeia alimentar:

Moleza... Pão---Peixe---Garça.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Eu abandonei o magistério... ou não!

Para quem não sabe, eu me formei em Letras - Português-Latim - e fui professora de português para estrangeiros no cursinho da mesma universidade onde fiz meu bacharelado e minha licencHatura - a troca do "i" pelo "h" é somente mais uma das minhas irônias. Pouco depois de terminar a primeira faculdade, comecei a segunda, em História da Arte.

Nada disso tem a menor importância agora, pois joguei para o alto todos os diplomas que acumulei ao longo desses 6 anos de vida acadêmica para vir à França escrever com teclado AZERTY e andar de trem suburbano - que leva 55 malditos minutos para chegar ao centro de Paris. E vim também para contribuir na educação de 2 criancinhas fofas de 3 e 6 aninhos. Isso compreende buscar na escola, dar o lanchinho, brincar com eles, levar na pracinha, ajudar no dever de casa, separar as brigas, arrumar os brinquedos que eles esparramam pela casa, limpar os cuzinhos sujos de merda...

Em resumo, vim como jeune fille "Au Pair".

Há quem diga que ser Au Pair é uma outra forma de elevar um ser. Em francês, utiliza-se o termo "elevar" em vez de "educar", no sentido de fazer com que o pequeno ser que você tem em suas mãos "cresça", "eleve-se". É por isso que aqui na França até os 18 anos você é "élève" e só se torna "étudiant" quando vai para a faculdade. Bom, deve ter alguma coisa de interessante em limpar bunda de criança e fazê-las brincar sem se estapear. Deve ter algo de sublime nisso. Só não sei dizer o que é!

Por enquanto, nem mesmo o curso de francês - obrigatoriedade do programa Au Pair aqui na terra do Sarkozy - parece valer a pena. Aliás, as minhas impressões sobre o povo do velho mundo são as mais instáveis possíveis. Tem horas nas quais eu amo estar aqui, tem dias em que odeio. TPM talvez... Sobre o meu atual "trabalho" então, nem se fala!

Um dia eu vou entender a razão de muitas coisas que passam na minha cabeça neste exato instante, como por exemplo, como reagir quando uma criança quer te obrigar a brincar com ela e SÓ COM ELA, deixando o pobre do irmãozinho de lado, e POR QUE eu me sinto mal quando não consigo fazer com que eles se entendam, com que tenham modos. Eles não são meus filhos, oras, porque me preocupar tanto com eles? Ninguém vai chamar a minha atenção se eles fizerem besteiras, ninguém vai me recriminar por não ter conseguido "bien elever" as crianças. Alias, porque pensar na educação e no bem estar deles quando eu poderia estar fazendo coisa muito melhor, como por exemplo, dormir? Eu sou apenas a Au Pair, a babá! Não há a menor necessidade de pensar nas crianças das quais tomo conta no meu "horário livre"...

Bom, não entendo mais nada do que faço, sinto ou escrevo. Talvez seja a minha veia para o magistério voltando a pulsar. Talvez seja instinto feminino. Talvez eu vá sentir falta deles quando for embora...

J'en sais rien!

Por enquanto, vou me contentando em vos escrever esse breve relato da minha vida. Minhas reais ilusões, decepções, sonhos e crenças, bem, isso tudo deixo para mais tarde. Por enquanto é só um breve emaranhado de sentimentos, tão confusos que mal conseguem sair da cabeça em forma de palavras. A única conclusão à qual posso chegar no momento, é que isso de ser Au Pair não tem nada de magistério, mas tem muito de MISTÉRIO!


Por Raquel D. C. Ferrerira

terça-feira, 6 de julho de 2010

Adieu François!

___ Bonjour François,

___ Se você estiverr do outro lado da linha, não atenda, porr favorr! Deixe-me dizer tudo o que preciso enquanto ainda tenho corragem parra fazê-lo... s'il te p l a î t ... Eu sei que você extá no meio da sua expediente, maix...

___ Bem, o fato é que não há maix o que fazerr, não posso mais com issa. Estou aflita demais nessa lugar. Tenho medo dhi sair nas ruas desta cidade e ser assaltada antes dhi chegar na exquina... morro de calor toda vez que deixo nosso apartementchi na Vieirra Souto. É verrdadi, não me chama de frexca! Do que adianta morrar na beirra da prraia se vivo dentrro das grradhis dexte apartamentchi, com medo dhi tudo e de todos? Em Paris a vida erra muito mais simpática, a ambiente era vachement mais agrradável as pessoas erram mais civilizadas comigô... não, eu não aguento maix o Brésil!

___Toda vez que saímox juntox tenho que fazer um exforço enorrme parra entendêrr tudo o que seus amigos dizem nessa língua insuportável. Não, não é a língua deles que é insuportável, é o fato de eu não entender essas... essas... essa langage argotic que elex falam. Não é possível issa, eu já fiz 6 meses de aulas de portuguêx, no curso mais carro do Rio de Janeiro, e ainda não consigo entender o que a minha emprregada me fala para comprrar no supermarché! En plus, eu tenho este accento horrível, o que me faz parrecer ridhícula na frente de todos eles, mesmo meus crianças me corrigem quando eu fala...

___ Eu não aguenta mais! Deixou toda a minha vida social em Paris para viver com você nessa lugar, max eu não aguento mais. Lá eu tinha um trraváio, amigox, famille, uma vida inteirra! Aqui eu não tenho nada, rien du tout. D'ailleurs ainda tenho que ficarr cuidando das crienças o dia inteirro pois as excolas desse país só funcionam uma parte do dia!

___ E ainda por cima, vc quer que eu tenha humor para fazer amor com você nexte calor?! Franchment, você não consegue entender que é enervantche fazer isso com você espirrando todo o seu suor em cima dhi mim? C'est finis pour moi!!! Extou pegando o primeiro avião de volta parra casa. Depoix volto para buscar nossox filhos, quero traze-los de volta à civilizaçao, mas porr enquanto, vou sozinha mêxmo. Preciso de férias dessa vida, vacances de Brésil!
Mandarrei as billetes de avion deles quando eu tiver arrumado uma nounou em Paris.
____ Franchement, c'est fini!

...

___ Marie, Marie...

Tou, tou, tou , tou...

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Lembrei dos meus sonhos...

Eu não tenho absolutamente nada à dizer, mas acordei com uma súbita vontade de escrever...
Daí me lembrei que queria descrever como as coisas andam diferentes ultimamente...

... e lembrei que o gosto da comida não é mais o mesmo;
que está sempre meio morno tudo aquilo que eu bebo...

Lembrei que aqui eles devolvem até moeda de 1 centavo;
que o céu que me cobre é um pouco acinzentado;
e o que cai dele nem sempre é chuva:
as vezes são flocos de nuvens que se desprendem das alturas,
e outras vezes são pequenas pedrinhas de gelo, que demandam certo zêlo ao andar pelas ruas!


... Lembrei que o café tem sempre um gosto forte e que ele vem com uma espuminha por cima e um biscoitinho do lado para amenizar o sabor amargo...

... Lembrei que a língua que se fala as vezes é igualzinha à minha - principalmente se estou no metrô - , mas as vezes é beeeeeem diferente, como se eu estivesse na antiga União Soviética!

... Lembrei que a praia fica longe e que eu nem mesmo conheço o caminho de lá...

... Lembrei que o cachorro faz "wolf", "wolf" e a gato faz "meaw"...

... Lembrei que a menina só sabe chorar,
e que o menino só sabe brincar!

Lembrei que aqui não tem água de côco, nem feijão preto
Mas que sempre tem algum queijo ou um "apêro"!

Lembrei que aqui não faz calor
e que eu nunca durmo sem cobertor...

Lembrei que nem sempre durmo a noite inteira
e que tenho curso amanhã de manhã...

Lembrei dos meus sonhos!
Aqui eu não sonho mais, nem sei se sou capaz
de acreditar nos meus próprios contos!

E lembrei também que aqui dizem "bom dia" o diiiiiiiiia inteeeeeeeeiro...

Acho que pelo menos isso ameniza a dor e a delícia de quem troca o país "Abençoado Por Deus" pela galante "Cidade Luz", aquela mesma que você conhece de tantos contos de fadas...

Você lembra dos seus sonhos? Pois é, eu esqueci os meus...