quarta-feira, 12 de março de 2008

Espólio



Era noite. Na cabeceira da cama havia uma ponta, um maço de cigarros e um cinzeiro cheio de guimbas... No chão, um par de sandálias que não o pertenciam, um vestido em malha balli e alguns adornos por ela utilizados na caçada dele próprio - como os brincos, o colar e as pulseiras... Já na cama ao seu lado estava aquele corpo feminino nú, de formas tão brandas e carnes tão macias... quase pueril, não fosse o que ela sabia fazer com ele. Não sabia mais se era sua presa ou seu caçador.

.
Só sabia que ela era dele, não havia a menor dúvida! Olhava suas curvas cansadas sobre aquele leito... seu playground particular! Apesar de exausto, seu corpo continuava semi-erguido - à meia luz para não atrapalhar o sono dela - estupefato, admirando a formosura daquela que sabia como ninguém arrancar os seus mais profundos suspiros...

.
Ela, entretanto, não era dele. Na verdade, ela não pertencia a um alguém concreto, nem a ela mesma... Ela dizia pertencer ao mundo. Mas seus cabelos tão lisos e tão negros jaziam ali, no dormitório dele... Não importava o que diziam ela e os outros, certo?!.
.

O que era realmente importante, é que naquele exato instante era ele quem contemplava a beleza indescritível daquela moça... era para ele que ela havia usado os delicados enfeites espalhados pelo cômodo e com ele que ela havia cantado sonatas de amor durante toda uma madrugada entregue aos devaneios da libido humana... eram dele o suor e a seiva envoltos no corpo de menina trigueira que ela ostentava...
.

Deitou-se ao lado dela, apagou a luz e perpassou seu braço por cima daquele outro tão miúdo que ali repousava... queria aproveitar cada segundo imerso no calor daquele tronco esbelto, sentindo o perfume da nuca tão bem entalhada e com suas pernas enroscadas entre as dela... No fundo ele sentiu que seria a última vez que a consumiria daquela forma.
.

Ele sabia que a menina travessa com quem se deitava de quando em vez, tem certa mania de surgir e desaparecer quando melhor lhe convém. Para a moça arredia não adiantava que ele deixasse recados na caixa postal do celular ou comentasse saudades com suas amigas... nessas ocasiões, num completo paradoxo, ela era tal qual uma guerreira austera que nunca rendia-se aos encantos ou apelos de ninguém. Era a favor da liberdade e não permitia que houvesse vínculo emocional entre eles... O que importava era apenas a satisfação dos seus caprichos de menina mimada. A vitória tinha de ser sempre dela...
.

(...)

.
Na manhã seguinte ela desperta faceira e anda pelo cômodo a procura de suas vestes. Quase como num ritual, orna-se novamente com tudo o que ele arrancara de seu corpo na véspera - a não ser pelo brinco de capim dourado cujo par se perdera durante a intensa movimentação de seus corpos - e leve como uma pluma, deixa aquela residência, sem contudo, acordá-lo.
.

(...)

.
No momento em que ele desperta, busca com os olhos o objeto do seu desejo... e dá-se conta do óbvio: ela se foi. E no mesmo instante pensa: 'será que sonhei com ela?'

..
Olhando para os lados a procura da sua velha companheira nicotina, vê a marca de batom numa guimba dentro do cinzeiro... foi real. Foi su-real! Nota também o brinco que ela tanto procurou mais cedo... estava quase embaixo do colchão, ao lado dele, somente com uma pontinha aparecendo. Acende o cigarro absorto nos próprios pensamentos...

.
Não era a primeira vez que ela se ia, mas era a primeira em que deixava-o sem um beijo de bom dia... Diante disso, percebeu que nunca mais veria a dona daquele brinco. Guardou-o como a um espólio de guerra... espólio da batalha em favor do prazer. Tinha de resignar-se apenas com aquela singela lembrança de noites tão bem compartilhadas...
.
Apagou o cigarro, voltou ao leito e tornou a dormir. Naquele momento, nada poderia ser melhor do que uma noite - ou manhã - bem dormida ..


(...)

.
Escrito originalmente em setembro de 2007. Modificado em março de 2008.

22 comentários:

Littleberry - Dan disse...

e vc ainda tem coragem de dizer "nem textos pequenos ?" hahahaha...se esse texto eh pequeno...pqp...mas td bem...msm assim...gostei do texto...mentira...eu nem li...hahahah...mas se eu tivesse deixado assim...vc acreditaria e acharia...nossa...q legal...ele leu o texto...mas vou te prometer...qd tiver mais paciencia...paro e leio...eh melhor eu parar de colocar reticencias...pq jah coloquei d+...enfim...eu lerei em breve...bjus

Anônimo disse...

Parece até ironia... Acessei este blog e qual música começa a tocar?
- Money...

Rackel, a coisa aqui está evoluindo, heim? Tem até uma imagem nova no topo do blog! Gostei. Foto sensacional.

Vim aqui para ler seus textos e também avisar de um novo blog que criei, o CIDADE SOLITÁRIA [ http://jroldao.wordpress.com/ ].

Vou escrever - contar - algumas impresões do cotidiano, narrar algo mais pessoal. Certamente, muito certamente mesmo, alguns itens vão estar ficcionalizados, pois não tenho como fugir disso, desse labirinto. Sempre acabo distorcendo ou reparando alguma situação trivial (nem tanto, algumas vezes).

Ficcionar é tornar o mundo artisticamente aceitável. Bom, ao menos é o que eu acho...

Beijos e Bons Ventos!

Littleberry - Dan disse...

bom, agora eu li...vc escreve mto bem, no entando, talvez pelo momento, nao gostei da melancolia da historia, me coloquei na posiçao do cara...hahahaha...eu nao conseguiria viver um "relacionamento" dessa forma...mas sei lah...tantas pessoas diferentes, tantos relacionamentos diferentes...com certeza existem pessoas q se identificam com isso....né ?
hahahaha
eu nao li os outros textos...nao sei se vc tem temas diferentes e mais felizes...hehehehe...mas eh sempre um bom exercicio tentar escrever sobre coisas diferentes...bem, acho q eh soh isso...bjus moça

Carlos Henrique Vólaro disse...

Porra gostosa, tenta dividir seus posts em capítulos: isso tá mais pra novela que pra conto. ;)

Beijo.

Anônimo disse...

Oi Rackel! Muito obrigada pelo seu comentário no meu fotolog (www.fotolog.terra.com.br/cacaupantoja).

E pelo que li nessa sua última postagem, não tenha dúvida: gostei do que li e vou voltar por aqui.

Um excelente final de semana para você.

Bianca Feijó disse...

veja...
Dificilmente me interesso por coisas mais 'longas' aqui no monitor, mas esse teu conto me instigou...

Uma delícia!

Um beijO!

Vivian Lage de Oliveira disse...

Não consegui me lembrar do nome do texto original...
Mas esse brinco de capim dourado me é familiar... rs

Textos cada vez maiores e melhores...

Besos

Rackel disse...

Poxa galera... o 'crise dos 30' é beeeeeem maior e mais chatinho de ler do q essa crônica aqui! rs

Ah, obrigada tb pelos elogios! São sempre bem vindos!
=)

Bjs pra todos

Tales PSG disse...

Fala, silver...
liga não, manda bala nos posts longos...
tb tenho preguiça de ler, mas temos q deixar de ser tão.... brasileiros...
eu li e gostei...
parabéns...
manda ver, guria...
bjsssssssss


e não vá desaparecer no dia seguinte hein....
;)

Renato Alt disse...

Belo texto... instigante, consistente... Parabéns pelo olhar contemporâneo e por esta descrição tão sua...
Beijos.

. fina flor . disse...

me lembrou o poema de um amigo que diz "você deixou um brinco em meu pensamento".

beijos, querida

MM.

ps: linkei vocês!!! =]

ps2: a trilha sonora é sempre muito boa por aqui!!!

Sergio disse...

Ola´, Rackel!

Você escreve com uma realidade que vejo a cena ao lado..rs...admirável!

Um beijo

Anônimo disse...

Aeee... finalmente li... caceta, li a Crise e depois esse... Tah escrevendo pra cacete hein!!! Bom, realmente prefiro algo mais feliz, mas ficou foda...

A propósito...

O q é Espólio? To com preguiça de olhar no google ^^

BEIJÃO!!!

Anônimo disse...

que blog divertido com trilha sonora aleatória, é um bom acompanhamento com os seus textos, que por sinal sao muito bons também.

;)

4rthur disse...

ah, a possessividade... como cantou Amarante no segundo disco do Los Hermanos, "eu só aceito a condição de ter você só pra mim".

beijo.

4rthur disse...

CARALHO! quer coincidência maior? Acabei de escrever esse comentário e vi que estava tocando no seu lastfm exatamente a música que citei!

Sinistro...

Rackel disse...

Po Arthur, eu AMOOOO essa música... coincidencia ainda maior!!
rsrsrs

bj

Ah galera, obrigada pelos elogios... é sempre bom tê-los por aqui...

E Rafa, espólio pode ser herança ou despojos de guerra (lembrancinhas q vc leva do seu 'inimigo'). Foi essa segunda acepção q usei no texto.
(hehehehe)

bjs pra todos

Anônimo disse...

O texto reflete bem o vazio atual, esse vazio da existência moderna.

Não sei bem, mas tenho a forte impressão de que as pessoas vivem acreditando serem caçadores. Digo, parece que só existem caçadores. Todos. Até mesmo quando se dizem "presas" ou "caça" existe certo sarcasmo ou ponta de "melhor que pensem que sou a caça, bobinhos(as)".

O ser humano tem andando em busca de preencher esse vazio imenso, tão comum nos dias atuais. O problema é querer preencher com qualquer coisa.

Não adianta tentar colocar um elefante pelo gargalo da garrafa.

Bons Ventos!

Anônimo disse...

Motivo de leitura diária nos finais de semana!
Adorei o Blog!

__

Lendo o texto senti até cheiro de cigarro, e como foi bom imaginar as cenas descritas! Viajei!
Hora de aterrizar!

Um beijo!

Anônimo disse...

oi rakel
gostei mto do seu blog... e de seus textos! é vc que está na minha lista orkut , amiga do marcio andre, confraria etc? Um bjo Andrea Carvalho Stark
visite o meu http://agrinalda.blogspot.com

Beta Flor disse...

Vou ser direta, amei o texto... Grande ou pequeno não importa, o que vale e sempre o conteúdo e o semtimento que o texto passa para quem esta aqui, e o seu me fez ir muito alem da leitura me fez sentir!!!

Fábio Félix disse...

Em primeiro lugar: de longo o texto tem pouco, e, de chato, nada.

Em segundo: Acho que considero todas as formas de amor válidas, e também acho que nenhuma forma de amor tira mais do que acrescenta, jamais.

Será que as muitas noites de saudade não seriam pior do que as poucas noites maravilhosa? Será que esse vazio-saudade não devoraria as novas belas paixões de depois?

Ao ler o texto, senti que a vitória foi, como tinha que ser sempre, dela.